Karim Jardim Advocacia

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26/05/2020

Responsabilidade civil médica e hospitalar em tempos de pandemia

O Conselho Federal de Medicina – CFM divulgou recentemente o resultado de um levantamento de informações com denúncias de médicos que estão atuando na linha de frente no combate a pandemia provocada pelo COVID-19.

As denúncias refletem diversas inconformidades na infraestrutura de trabalho oferecida por gestores, tanto públicos, quanto privados de todo o país aos profissionais que estão atuando no enfrentamento da pandemia.

Segundo o CFM, as falhas vão desde a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), até exames para diagnóstico do Covid-19, carência de equipes de enfermagem, além da dificuldade no acesso a leitos de UTI e de internação.

Todavia, diante do cenário de excepcionalidade causado pela pandemia, há que se indagar se a insuficiência de recursos é capaz de relativizar a responsabilidade civil do profissional e até mesmo dos hospitais nesse momento de completa anormalidade.

Como se sabe, a Lei Federal nº 13.979/2020 estabeleceu no país um estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, flexibilizando e ao mesmo tempo impondo medidas extremamente restritivas, em total descompasso com um regime de normalidade.

O Congresso Nacional, por sua vez, atendendo à solicitação do Presidente da República, promulgou o Decreto Legislativo nº 6/2020 pelo qual reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, medida seguida por Estados e Municípios.

Não bastasse, o Presidente República publicou a questionada Medida Provisória nº 966/2020, a qual dispõe sobre a flexibilização da responsabilidade civil dos agentes públicos por atos relacionados ao COVID-19.

Todas essas normas traduzem certa relativização de regras inimagináveis em tempos normais. Mas o que dizer diante de falhas na prestação dos serviços de saúde?

O dever de indenizar está claramente estabelecido no Código Civil ao dizer que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (art. 927), diretriz também contemplada no Código de Defesa do Consumidor (art. 14).

Além disso, está previsto no Código de Ética Médica que os profissionais médicos têm o direito, entre outros, de apontar falhas que constituem empecilho ao digno exercício profissional ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, podendo, inclusive, recusar-se a exercer a profissão em instituições que não apresentem condições satisfatórias, desde que adotem determinadas providências (Capítulo II, itens III e IV).

Todavia, muito embora condições favoráveis de trabalho sejam imprescindíveis em todas as áreas, a questão posta reclama uma análise atenta e coerente com o momento de crise ora experimentado por diversas nações, sem que isso possa servir de pretexto para abandono de requisitos essenciais.

A pandemia provocada pelo COVID-19 tem colocado em bastante evidência a discussão dos institutos do caso fortuito e força maior previstos no Código Civil (art. 393) como verdadeiras excludentes de responsabilidade capazes de tudo justificar nesse momento de atipicidade.

Há, ainda, quem justifique a insuficiência de recursos à própria escassez no mercado decorrente do inesperado crescimento da demanda, conforme noticia diariamente a imprensa.

Nesse caminho, diante da situação de calamidade em um cenário de completa imprevisibilidade, seja com fundamento em excludentes de responsabilidade ou pela aplicação de institutos diversos, somente no caso concreto será possível aferir se o dano causado comportará maior ou menor rigor do julgador em relação a responsabilização civil dos médicos e estabelecimentos de saúde, seja objetiva com amparo na Teoria do Risco ou subjetiva ancorada na Teoria da Culpa.

Afinal, como bem disse o Desembargador Diaulas Costa Ribeiro em seu voto na Apelação Cível 0701820-53.2019.8.07.0009, Acórdão nº 1246280 do TJDF: “5. Haverá, como decorrência desta pandemia, um aumento exponencial dos litígios por inadimplência contratual e não só.”

Portanto, sem a pretensão de esgotar a discussão nessa apertada abordagem, nos parece mais realista a expectativa de que aos jurisdicionados serão dadas novas respostas pelo direito no caso concreto, preservando institutos consagrados, mas com sensibilidade ao cenário de extrema excepcionalidade que aflige a nação.

 

Karim Rodrigues Jardim

Advogado


Fonte pesquisada: CFM divulga primeiro levantamento com denúncias de médicos da linha de frente contra a pandemia

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