Karim Jardim Advocacia

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07/11/2020

Lei Geral de Proteção de Dados e os impactos na área de saúde

É inegável que a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) veio determinar, sobretudo, um maior nível de informação e consciência das pessoas sobre a importância da privacidade e da proteção de dados pessoais em um mundo cada vez mais tecnológico.

O conceito de tratamento de dados pessoais é algo bastante ampliado na LGPD, tanto que o legislador conceituou “dado pessoal” como sendo toda informação relacionada a pessoa natural que seja identificada ou identificável.

Apesar da legislação não conceituar objetivamente tais expressões, entende-se por informação identificada ou identificável toda aquela que permite, direta ou indireta, a identificação da pessoa que é o titular dos dados, ainda que por referência a um nome, a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, psíquica, econômica, cultural ou social.

O cidadão assume, portanto, o papel de real proprietário das próprias informações, de forma que terceiros, sejam empresas ou outras pessoas físicas, só poderão acessá-las ou utilizá-las com consentimento ou quando houver permissão legal para tanto.

Para entendermos as implicações da LGPD na área de saúde devemos inicialmente ter em mente a distinção feita pelo legislador entre dados pessoais propriamente ditos e dados pessoais sensíveis, esses com implicações no tratamento dispensado pela área de saúde.

Enquanto os dados pessoais comuns remetem a informações mais generalizadas, como a identificação do nome, data de nascimento, entre outras, a LGPD inclui na categoria de dado pessoal sensível toda informação que revele a origem racial ou étnica da pessoa, convicção religiosa, opinião política, filosófica, vida sexual e relacionada à saúde ou a dado genético ou biométrico vinculado a uma pessoa natural.

Por essa questão peculiar, os dados pessoais sensíveis passaram a ser protegidos de forma especial e com maior rigor pela LGPD, de modo que o seu tratamento somente poderá ocorrer mediante consentimento do titular de modo expresso, destacado e para finalidades muito específicas, ressalvadas as restritas hipóteses em que fica dispensado, como no caso de cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador.

Na área de saúde, a LGPD traz a evidente necessidade de que sejam repensadas diversas práticas já consolidadas no setor, como o hábito de solicitar informações demasiadas e até desnecessárias para compor o cadastro do paciente.

Práticas como a guarda de fotografias, laudos, imagens, remessa de dados para operadoras de planos de saúde, troca de informações entre serviços de saúde e órgãos de regulação, acesso aos dados – especialmente clínicos, além de mecanismos de segurança para evitar vazamento ou uso indevido deverão passar por um indispensável processo de ajuste.

Além disso, inovações recentes como a telemedicina certamente demandará nova regulamentação, uma vez que também nessa modalidade o paciente confia uma série de informações ao médico, que apesar de já amparado pelas normas do Conselho Federal de Medicina – CFM que tratam do sigilo, não anulam as determinações da LGPD quanto a segurança, acesso, portabilidade, armazenamento, eliminação, entre outros, o mesmo ocorrendo com relação a aplicações que fazem uso da inteligência artificial.

Não menos importante serão os efeitos sobre o compartilhamento de dados para fins de pesquisa, que, mesmo não proibidos, deverá ocorrer sob o forte rigor normativo da LGPD.

Não restam dúvidas, portanto, que os gestores de serviços de saúde serão desafiados a reverem processos, sistemas e, principalmente, treinar pessoas, sejam as que atuam administrativamente, sejam os profissionais de saúde para que tenham a adequada compreensão da relevância do tratamento de dados, suas responsabilidades e consequências legais em decorrência de falhas.

Se por um lado é certo afirmar que a LGPD não afasta a legislação especial, como as normas do CFM e de órgãos de regulação, é também certo afirmar que deverá haver uma verdadeira revolução no modo como são tratadas as informações de saúde, atingindo especialmente o prontuário médico, seja no seu modelo físico ou digital, pois, ainda que as anotações sigam determinação legal, é uma categoria de tratamento de dados das mais delicadas, especialmente pelo fato de que o acesso não é restrito ao médico, mas a toda uma equipe.

Portanto, em que pesem os impactos trazidos pela LGPD para os serviços de saúde, não podemos perder de vista que entre as bases fundamentais dessa legislação está a garantira de direitos fundamentais de todo cidadão, constitucionalmente assegurados, ademais por seguir um modelo de regulação em ampla expansão nos diversos continentes e já vigente em inúmeros outros países.

Karim R. Jardim
Advogado

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